Me separei de fato mas continuo casada no papel e agora?

Se você permanece casada no papel, mas está separado de fato, levando vidas separadas, esse artigo é para você.

4/17/2023

Antes de tudo, devemos entender o que é separação de fato. A separação de fato é a livre decisão dos cônjuges de acabar com a sociedade conjugal sem recorrer aos meios legais como o divórcio judicial ou extrajudicial. É a situação em que as pessoas na prática estão separadas, mas ainda estão oficialmente casadas no papel. Aqui no meu escritório já tive decisões interessantíssimas, proferidas pela Corte, flexibilizando o que dispõe o artigo 1.830 do Código Civil, que diz:

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente , não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente”

De acordo com esse artigo, se um casal está separado de fato há menos de dois anos, e caso um deles venha a óbito, o cônjuge sobrevivente ( que esta separado de fato), deverá participar da sucessão do de cujus. Um dos processos aqui do meu escritório ocorreu o seguinte: A ex-mulher entrou com o processo de divórcio com partilha de bens e ela estava separada de fato há um ano e meio. O casal tinha como bens dois imóveis e eram casados pelo regime de comunhão universal de bens. Durante essa separação de fato o pai dela faleceu e ela herdou a sua parte nos bens da herança do eu pai. Nos autos o ex marido solicitou a inclusão da partilha de bens da parte da herança da sua ex cônjuge e ai começou a discussão se partilhava ou não.

Eu confesso que fiquei inconformada com esse pedido pois eles já estavam separados de fato a muito tempo. A minha defesa foi no sentido de afastar o reconhecimento do direito sucessório em face do ex-marido. Nos autos de divórcio, o juízo de primeiro e segundo grau determinou o afastamento do direito do ex-marido na herança da ex-mulher.

DIREITO CIVIL E FAMÍLIA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO COM PARTILHA DE BENS. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL E O RECONVENCIONAL. IRRESIGNAÇÃO DA AUTORA. PLEITO PARA INCLUSÃO DE IMÓVEL NA PARTILHA. IMPOSSIBILIDADE. PARTILHA DE BENS SOB A ÉGIDE DO ART. 1667, CC . REGIME MATRIMONIAL QUE IMPLICA NA COMUNICAÇÃO DE TODOS OS BENS PRESENTES E FUTUROS. IMÓVEL TRANSMITIDO POR HERANÇA APÓS A SEPARAÇÃO DE FATO DAS PARTES.

SENTENÇA MANTIDA.

A dissolução do vínculo conjugal tem como termo final não só na decretação do divórcio, mas também no momento da separação de fato, em que os deveres de ambos os cônjuges não são mais compartilhados. Assim, além da separação de fato por fim à sociedade conjugal, encerra, também, o 3. regime de bens estabelecido no momento do casamento No caso concreto, o imóvel em questão foi adquirido pelo apelado por herança, em virtude do falecimento de seu genitor e, tendo em vista que a transmissão da propriedade ocorreu após a separação de fato, não há comunicabilidade na partilha de bens .

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

(TJPR - 12ª C.Cível 0010124-49.2017.8.16.0188 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADORA IVANISE MARIA TRATZ MARTINS - J. 02.05.2022).

Para a minha felicidade e da minha cliente e excelente decisão, nas duas instancias consegui garantir o direito de herança total da minha cliente, sem ter que partilhar com o ex cônjuge. Vale transcrever um trecho do acórdão:

Ocorre que, como bem decidiu a r. sentença, tal dispositivo não se amolda às circunstâncias fáticas do caso. Ora. O réu/reconvinte/apelante não se enquadra à definição de cônjuge sobrevivente pelo simples fato de que sua ex-cônjuge, a autora/apelada, não faleceu. Não se está propriamente a discutir direito sucessório advindo do falecimento de ex-cônjuge, mas sim eventual direito de partilha de herança recebida pela ex-cônjuge, ainda viva, em caso de comunhão universal de bens. Daí porque, considerando que a separação de fato põe fim ao regime de bens, e sopesando que a abertura da sucessão do genitor da autora/apelada se deu mais de um (01) ano depois, não há qualquer direito à meação dos direitos hereditários em questão”.

“O art. 1.830 do Código Civil diz respeito ao sobrevivente do autor da herança : “Somente é reconhecido direito sucessório cônjuge ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da sobrevivente, morte do outro , não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente ”.

A jurisprudência tem e posicionado no sentido de que uma vez cessada a vida em comum, inexistem interesses recíprocos, deixando de prevalecer à presunção de colaboração, comunhão e afetividade recíprocas entre os cônjuges. Eu concordo com a decisão da Corte, vez que com a separação de fato, não existem mais os laços do casal, não existe mais esforço em comum sendo incoerente a inclusão do ex-cônjuge na partilha da herança.

Então se você está separado de fato, mas ainda está “casado no papel” pode ficar tranquilo que a partir da separação de fato os bens adquiridos dali para frete não comunicam na partilha de bens. Mas, se eu pudesse te dar um conselho seria: Já entre com o divórcio para não correr o risco de ter que discutir em juízo todo esse tempo depois, já se separe de fato e ''no papel''.